Em execução fiscal movida pela Fazenda, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser feita no curso do processo – pela instauração de incidente – ou requerida na petição inicial. No incidente, o fisco busca caracterizar a prática de abuso de personalidade jurídica em razão de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, ao tempo em que se possibilita que a pessoa envolvida se manifeste a respeito.
Em alguns casos específicos, a lei dispensa a necessidade de instauração do incidente e viabiliza o redirecionamento imediato da execução ante o reconhecimento da responsabilidade solidária entre pessoas. O STJ se debruçou sobre a necessidade – ou não – da instauração do incidente em hipóteses jurídicas específicas.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é dispensável quando a Fazenda pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa (CDA) – título executivo extrajudicial que pode indicar corresponsáveis pelo débito – ou quando há incidência do disposto nos arts. 134 e 135 do CTN[1], que tratam da responsabilidade tributária de terceiros.
No caso de responsabilidade tributária de terceiros, a exemplo dos sócios gerentes que excedem seus poderes, não há necessidade de desconsideração da personalidade jurídica da devedora, muito menos de instauração do incidente, pois a lei possibilita cobrança direta dos terceiros por ela elencados como responsáveis, nos termos do art. 135 do CTN. Igualmente, o art. 134, VII, do CTN, autoriza o redirecionamento da execução fiscal aos sócios na hipótese de não ser possível exigir o crédito tributário da sociedade empresária liquidada.
No julgamento do REsp 1.775.269, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso da empresa Agroindustrial Irmãos Dalla Costa Ltda. a fim de determinar o retorno do processo ao Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) para obstar o redirecionamento da execução à empresa, exigindo a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Isso porque, no curso do processo, a Fazenda, ao perceber a dificuldade de alcançar bens da empresa contra a qual ajuizou a execução, requereu a desconsideração de personalidade jurídica para atingir a Agroindustrial Irmãos Dalla Costa Ltda., uma vez que ambas compunham o mesmo grupo econômico.
Contudo, entendeu-se que a mera formação de grupo econômico não torna as pessoas jurídicas integrantes responsáveis pelos tributos inadimplidos por pessoa inserida no grupo. Para tanto, seria necessário que todas as empresas realizassem conjuntamente a situação de ocorrência do fato gerador do tributo.
Assim, o STJ entendeu que se o polo passivo da execução fiscal não foi identificado na CDA, ou não se enquadra nas hipóteses de responsabilidade descritas nos arts. 134 e 135 do CTN, a desconsideração da personalidade jurídica depende da comprovação do abuso de personalidade e, portanto, da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A formação de grupos econômicos viabiliza a reunião de empresas para persecução de fins comuns pressupondo o lucro, como toda atividade empresarial. Para que o desiderato constitucional da livre iniciativa seja concretizado, necessário que a autonomia dos integrantes de grupos econômicos seja preservada e não enseje via alternativa de satisfação de créditos tributários, para além das previsões legais, de modo que o posicionamento do STJ a respeito do tema se revela apropriado.
[1]Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis (…)
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (…)